Seleccionar, separar e colher componentes sanguíneos
Aférese é um procedimento técnico que permite, de uma forma automática e selectiva, colher componentes sanguíneos para transfusão, ou remover componentes por necessidade terapêutica.
Implementada em hospitais e centros regionais de sangue, existe há alguns anos, mas é pouco conhecida por quem não está contextualizado na dádiva de sangue.
No que toca a doação de sangue, a palavra aférese pode não fazer muito sentido, pelo menos para quem não está familiarizado com esta forma diferente de dar sangue.
É um termo usado na Medicina Transfusional, que designa separar. E, contextualizando-o nesta área da Medicina, serve para nomear um processo de separação de componentes sanguíneos a um dador ou a um doente e proceder à sua colheita ou à sua remoção, consoante seja uma dádiva ou um tratamento.
«Este processo de separação de componentes sanguíneos é feito por centrifugação, em que o sangue é separado nos seus constituintes: glóbulos vermelhos, plaquetas e plasma», refere a Dr.ª Ana Paula Sousa, imuno-hemoterapeuta no Centro Regional de Sangue de Lisboa do Instituto Português do Sangue.
Relativamente à técnica, a especialista explica:
«É uma colheita automática, que é feita por uma máquina designada separador celular, que se programa previamente para colher o componente necessário. Tal como na colheita de sangue total, o dador é puncionado num só braço: o sangue sai, é anticoagulado, circula no separador, que separa (colhe) o ou os componentes previamente seleccionados, reinfundindo no dador os restantes componentes. Assim, ao ser programada uma colheita de plaquetas – plaquetaférese – o separador só colhe este componente, sendo todos os outros devolvidos ao dador pelo mesmo local de punção.»
A aférese é, pois, uma colheita selectiva, em que se selecciona o que se quer colher para posteriormente ser transfundido em quem necessite. Este procedimento aferético pode ser utilizado também com finalidades terapêuticas. Nesta perspectiva, o ou os componentes sanguíneos que estão a prejudicar o doente são colhidos e eliminados.
Esta técnica foi iniciada no Centro Regional de Sangue de Lisboa em Novembro de 2001. Porém, já era efectuada em outras Instituições (IPO de Lisboa, Hospital de Egas Moniz e Centro Regional de Sangue do Porto, entre outros), de acordo com as necessidades transfusionais.
De salientar que no Centro Regional de Sangue de Lisboa a aférese não é usada para fins terapêuticos, apenas para colheita de componentes sanguíneos.
Na Unidade de Aférese do Centro Regional de Sangue de Lisboa são feitas doações de plaquetas e glóbulos vermelhos. Contudo, a colheita simultânea destes dois componentes, através do separador celular, é muito recente.
«No passado dia 20 de Setembro começámos a efectuar a colheita multicomponente (plaquetas e glóbulos vermelhos), sendo esta unidade a pioneira no nosso País», indica Ana Paula Sousa.
Colheita selectiva,
escolha selectiva
Os critérios subjacentes a uma colheita selectiva dependem do perfil hematológico do dador e estão relacionados com as carências da instituição.
«Há dadores que, de acordo com a sua fisiologia hematológica (parâmetros do hemograma), se adequam mais à colheita de plaquetas, outros à de glóbulos vermelhos e outros que poderão doar os dois componentes. Desta forma, tentamos assim responder às necessidades da instituição», menciona Ana Paula Sousa, continuando:
«A avaliação do dador é fundamental, com critérios de selecção rigorosos, e envolvendo também uma avaliação analítica, uma vez que a selecção do componente a colher depende do seu perfil. A avaliação analítica envolve a realização de um hemograma (o dador tem que ter contagens celulares compatíveis com a colheita, seja de glóbulos vermelhos, seja de plaquetas), o estudo da coagulação, uma bioquímica e um electrocardiograma para avaliação da função cardiovascular.»
Como não poderia deixar de ser, para se ser dador de aférese é imperativo preencher os requisitos pedidos aos dadores de sangue total, assim como outras condições especiais, que estão relacionadas com as características particulares desta forma diferente de dar sangue.
De acordo com a imuno-hemoterapeuta, «é uma colheita mais demorada (40 minutos para a plaquetaférese, e 50 minutos se for colheita multicomponente), o que implica disponibilidade de tempo e capacidade para tolerar uma colheita mais demorada».
Todos os dadores de aférese são inicialmente dadores de sangue total. Ao tomarem conhecimento desta nova forma de dar sangue, são eles próprios que se inscrevem, podendo demorar vários meses até serem chamados.
«Há dadores que se disponibilizam, mas que não reúnem as condições para colaborar na aférese. Não quer dizer que estejam com problemas de saúde, mas podem ter condicionantes físicas, hematológicas ou pessoais», comenta Ana Paula Sousa.
Quando aceites e dependendo da própria disponibilidade, os homens podem doar glóbulos vermelhos de três em três meses e as mulheres de quatro em quatro meses. Já a periodicidade definida no Centro Regional de Sangue de Lisboa para a colheita de plaquetas é de dois meses.
«Após a realização das análises à unidade colhida, os respectivos componentes estão disponíveis para aplicar num doente. Por outro lado, através desta forma diferente de dar sangue, a quantidade de plaquetas colhidas é muito superior, em número, às colhidas numa dádiva de sangue total, sem qualquer prejuízo para o dador», explica a especialista, salientando:
«Numa dádiva de sangue total, cada unidade colhida tem de ser processada laboratorialmente (separada nos seus componentes), sendo um processo demorado e que envolve recursos humanos. Por outro lado, um concentrado unitário de plaquetas, obtido por aférese, é equivalente a seis concentrados de plaquetas obtidos a partir de dadores de sangue total. Desta forma, com a boa vontade e disponibilidade de um dador de aférese, conseguimos transfundir um doente que necessite de plaquetas, enquanto necessitamos de seis dádivas de sangue total para transfundirmos um doente nas mesmas circunstâncias.»