Preservar as células do cordão umbilical
Pode parecer ficção científica, mas as terapias com células estaminais são já uma realidade da prática clínica. A esperança terapêutica para muitas doenças crónicas até aqui incuráveis reside precisamente nestas células indiferenciadas.
O tipo de célula estaminal com maior potencial de diferenciação é o ovo fertilizado que dá origem aos tecidos que constituem o embrião e aos tecidos essenciais no desenvolvimento da placenta e do cordão umbilical. Devido a esta capacidade de diferenciação designa-se esta célula por totipotente.
«De uma forma simples, e de acordo com a sua origem, podem dividir-se as células estaminais em dois grandes grupos: as células embrionárias e adultas», explica o Doutor Hélder Cruz, químico com doutoramento em biotecnologia, envolvido em vários projectos europeus.
Como uma semente que dá origem ao caule, à folha e às pétalas de uma flor, as células estaminais têm a capacidade de se definir como células nervosas, ósseas, hepáticas, renais, gástricas e de todos os órgãos do corpo, tal como a semente original.
As células estaminais embrionárias existem numa fase inicial do desenvolvimento embrionário, anterior à sua implantação no útero. São pluripotentes, ou seja, podem diferenciar-se em vários tipos. Já as células adultas são também indiferenciadas, porém, encontram-se em tecidos diferenciados, já especializados. Têm a capacidade de se auto-regenerar durante toda a vida do organismo. São designadas de multipotentes dado que podem diferenciar-se apenas dentro da sua linhagem celular.
«No sangue do cordão umbilical e da placenta encontram-se células estaminais capazes de se transformarem em células de linhagem hematopoiética e mesenquimal», esclarece o Doutor Pedro Cruz, engenheiro químico, também com doutoramento na área da biotecnologia e igualmente envolvido em projectos europeus na área da investigação com células terapêuticas.
«As células hematopoiéticas podem transformar-se em qualquer célula do sangue, as mesenquimais têm potencial para se diferenciarem em outros tipos de células e, como tal, podem ter várias utilidades terapêuticas», continua o investigador adiantando que «tanto no sangue do cordão umbilical, como na medula óssea há mais células hematopoiéticas do que mesenquimais».
Processo de colheita e conservação das células
«Primeiro a mãe deve informar o médico que assiste o parto de que pretende guardar as células do cordão umbilical. Este deve ser colhido, de preferência antes da expulsão da placenta, pois dessa forma, será possível colher uma maior quantidade de sangue. Depois de expulsa, a placenta deve ser massajada para facilitar a recolha. O saco de sangue deve ser posicionado o mais baixo possível para que o sangue entre por gravidade para dentro do saco», adianta Hélder Cruz.
O processo de recolha é indolor, não invasivo e não representa qualquer risco para a saúde da mãe, ou do bebé.
«O saco com sangue deve ser mantido à temperatura ambiente até ser transportado para o laboratório. Ao contrário do que se possa pensar, o sangue não deve ser guardado no frigorífico durante esse período. O frio pode tirar-lhe a qualidade», acrescenta Pedro Cruz.
Depois de chegar ao laboratório cabe aos investigadores iniciarem todo o processo de criopreservação.
«Antes de mais deve reduzir-se o volume do sangue, e para isso são retirados os glóbulos vermelhos e o plasma, mantendo-se os glóbulos brancos e as células estaminais», continua Pedro Cruz.
Segue-se a contagem das células, e depois testa-se a viabilidade do sangue. É então adicionada uma solução criopreservante, que garante a viabilidade celular durante o congelamento e quando a unidade for descongelada. «Só depois as células são colocadas em contentores de azoto líquido, a uma temperatura de cerca de -190ºC durante o tempo que for necessário» esclarece o investigador.
«Todo o processo deve decorrer dentro das boas práticas de fabrico, isto é, com um exigente controlo, de forma a garantir segurança e eficácia máximas», continua.
Como um investimento num potencial tratamento futuro, a criopreservação oferece a muitos pais a tranquilidade de saberem que, caso seja necessário, podem recorrer a qualquer momento às células estaminais dos seus filhos.
Segundo Hélder Cruz «15 anos é o tempo comprovadamente seguro para manter as células criopreservadas, dado que, antes desse período não havia criopreservação. Isto não quer dizer, no entanto, que não possam durar mais tempo. Certamente terão uma validade superior, porém, as primeiras células estaminais foram congeladas há 15 anos e mantêm actualmente as características que tinham no momento da congelação».
Seguro de vida biológico
Não são poucas as vezes em que, nas páginas dos jornais, ou nas notícias de televisão, pais aflitos solicitam o apoio e a boa vontade de toda a população no sentido de conseguirem encontrar um dador de medula óssea compatível que lhes possa salvar a vida de um filho com o tempo de vida limitado. Casos clínicos de leucemia são os que, geralmente causam esta aflição e os que exigem maior urgência na procura de um dador com um nível suficiente de histocompatibilidade.
«Se as células estaminais da medula óssea forem retiradas e criopreservadas enquanto a pessoa ainda é saudável, podem ser utilizadas com fim terapêutico nessa mesma pessoa, caso, mais tarde, ela venha a desenvolver uma doença desse tipo», esclarece o Doutor Helder Cruz, adiantando que «quanto mais cedo o fizer, melhor. O ideal será que o faça enquanto jovem, pois nunca se sabe quando uma fatalidade como uma doença dessas pode surgir».
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