Alheamento, ausência de reciprocidade, isolamento » Autistas são estimulados para a interacção social - Médicos de Portugal

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Alheamento, ausência de reciprocidade, isolamento » Autistas são estimulados para a interacção social

11 Novembro, 2007 0

Sandra tem 23 anos e possui uma aptidão especial para a música. Nas aulas do professor Rui Paes dá bons acordes no piano, mas prefere tocar bateria, o seu instrumento musical predilecto.

Numa outra divisão, o Pedro, de 39 anos, tece, num enorme tear, a sua futura «obra-prima». Numa sala de trabalho, Kelvo, Vítor Hugo e Ana desenham o que lhes passa pela alma e dedicam-se a outras actividades.

No refeitório muitos são os que já almoçam. Porém, o Amílcar, de 27 anos, e a Lena, de 25 anos, ainda estão na lavandaria a trabalhar. Assim que acaba­rem de separar, engomar e dobrar as peças de roupa vão tomar a refeição.

Apesar de fisionomias e idades díspares, todos têm algo em comum: preenchem o dia com várias actividades na APPDA – Associação Portuguesa para as Perturbações do Desenvolvimento e Autismo.

Há três décadas já havia entidades que apoiavam deficientes mentais ou portadores de outras deficiências, mas especificamente para o autismo eram inexistentes.

Criada em 1971 por um grupo de pais, a APPDA acabou por ser a primeira associação a surgir no nosso País para dar atendimento a pessoas com autismo.

«Uma das características importantes dos doentes autistas é a ausência de uma actuação previsível e cons­tante, como acontece noutras deficiências.

Além disso, não têm as mesmas competências nos diversos domínios, ou seja, podem falar muito bem e não saber ler nem escrever, ou fazer cálculos mentais bastante complicados, porque não usam os algoritmos comuns», diz a Prof.ª Isabel Cottinelli Telmo, presidente da APPDA – Associação Portuguesa para as Perturbações do Desenvolvimento e Autismo e da Federação Portuguesa de Autismo e vice-presidente do Autismo Europa.

O facto de estes doentes serem muito imprevisíveis e usarem um sistema muito característico de actuar não suscitou dúvidas em relação à criação da APPDA. Porém, a ideia inicial dos fundadores era a criação de uma escola especial.

«Mesmo que as pessoas com autismo estejam numa escola regular muitas vezes têm problemas com os seus pares, por isso, é essencial estimular a interacção social», explica Isabel Cottinelli Telmo, sócia fundadora e mãe de um autista de 40 anos, que se manteve no ensino regular até ser possível.

O quotidiano dos doentes

Esta associação não é um estabelecimento de ensino especial, mas assemelha-se bastante, devido às inúmeras actividades que estimulam os deficientes e fomentam a interacção com os colegas e a integração social.

Desde que foi fundada, tem evoluído, quer ao nível das instalações, quer ao nível das valências. Se no início funcionava num apartamento, hoje tem instalações no Bairro Alto da Ajuda, com todas as infra-estruturas para receber diariamente os 60 adolescentes e adultos com autismo.

A APPDA possui o Centro de Dia, o Centro Residencial (quatro residências no Bairro Alto da Ajuda e uma em Carcavelos), duas clínicas de diagnóstico e avaliação, consultas externas e internas. Além de um ginásio, existem, ainda, salas destinadas a diversas actividades, como cerâmica, música, pintura e tapeçaria, entre outras.

«A nossa filosofia é receber as pessoas como se viessem para o trabalho ou para a escola e depois voltassem para as suas casas», comenta Isabel Cottinelli Telmo.

Para que tal se concretize, existem programas com as actividades diárias. Umas são feitas em grupo, outras individualmente. Enquanto uns têm lições de música, outros fazem ginástica. Outros há que têm uma consulta marcada.

Também há os que têm o dever de ir às compras e aqueles que cuidam da estufa. Há hora marcada para o almoço, a que se seguem mais actividades. Ao final do dia voltam para as respectivas casas, ou da família ou da própria Associação.

Estes adolescentes, jovens e adultos são acompanhados por auxiliares, professores de Educação Física, de Artes Plásticas e de Educação Musical e por técnicos, como terapeutas, psiquiatras e psicólogos.

Para usufruírem das residências, os doentes têm de frequentar o Centro de Dia. Por cada residência, não ficam hospedados mais de seis ou sete adolescentes ou jovens, de forma a simular uma habitação própria.

De acordo com a responsável pela instituição, «o Centro Residencial confere uma certa liberdade às famílias em determinadas ocasiões, durante os fins-de-semana ou ao longo da semana».

A juntar a tudo isto, uma parceria com o Ministério da Educação possibilita à APPDA acompanhar crianças com autismo, que estudam em escolas de ensino regular, nomeadamente em salas de aula apropriadas.

Uma fase complicada

«Entretanto, foram surgindo outras associações noutros pontos do País que se juntaram a nós. Começámos a funcionar como uma associação nacional com as respectivas delegações», assinala Isabel Cottinelli Telmo, acrescentando:

«Houve progressos e há dois anos foi criada a Federação Portuguesa de Autismo, que agrupa as associações congéneres, nomeadamente, as APPDA do Norte, de Viseu, de Coimbra, de Setúbal, do Alentejo, dos Açores e da Madeira.»

Além de todas as actividades já mencionadas, esta Associação promove diversos seminários e cursos, assim como programas especiais. A título de exemplo, desenvolveu um projecto-piloto, denominado Brinca Comigo, de investigação e desenvolvimento na área da intervenção.

Todavia, a presidente desabafa: «Nunca tivemos uma fase tão complicada como a actual. A Segurança Social concede-nos uma verba por cada doente e os pais dão a restante. Mas já há quatro anos que o financiamento não é aumentado. A situação está a complicar-se, porque não temos dinheiro para manter o nível e a qualidade que pretendemos.»

E lamenta: «Já tivemos muitos projectos internacionais que nos ajudavam a conseguir fundos de investimento, como por exemplo o programa de educação de adultos com autismo no meio aquático.»

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