O poder da Língua
Nos últimos anos, um número significativo de médicos estrangeiros começou a trabalhar em Portugal. Todos são bem-vindos, se poderem ajudar. Todavia, o fraco domínio da Língua Portuguesa é um entrave ao seu desempenho e à melhoria da qualidade na saúde em Portugal. Aliás, chega a pôr em causa a prestação de cuidados.
Perante a existência de um número insuficiente de clínicos em Portugal, há alguns meses, defendi que devíamos «importar» médicos do estrangeiro, designadamente de Espanha e dos países de Leste. Por essa via, formaríamos em cerca de dois anos pessoas habilitadas ao desenvolvimento da carreira médica com qualidade e preencheríamos os lugares vagos nos hospitais e centros de saúde do interior.
Defendia, na altura, que é preferível gastar dois anos a formar estes profissionais em Língua Portuguesa e a integrá-los nas unidades de saúde e cultura portuguesas do que esperar que as universidades e a Ordem dos Médicos abram o espírito e o número de vagas necessários para que passemos a ter, dentro de 10 anos, um número razoável de médicos em acordo com as efectivas necessidades do País.
Do ponto de vista conceptual ou teórico, a ideia é lógica e está correcta. Infelizmente, do ponto de vista prático, não foi ainda concretizada. Esperemos que, com o novo ministro, pessoa em quem deposito as mais elevadas expectativas pelo trabalho que realizou no INA e pelo conhecimento que possui na área da saúde, onde, aliás, já foi ministro, esta concepção teórica se transforme em realidade.
No plano do concreto, a experiência de integração de alguns médicos estrangeiros em Portugal tem sido um desastre, excepto nas proximidades das fronteiras com Espanha onde as pessoas dominam os princípios básicos da comunicação em Português e em Espanhol. Por exemplo, em Lisboa, a cidade onde vivo, os relatos de mau atendimento por parte de médicos estrangeiros abunda.
Todos os casos são idênticos. Normalmente, não está em causa a qualidade técnica do médico (aliás, bastante difícil de avaliar). O que fica sempre realçado é a incapacidade de manter um diálogo compreensivo e profícuo entre médico e paciente. Este facto prende-se com o fraco domínio da Língua Portuguesa por parte do clínico.
Numa ocasião, há dois anos e meio, tive de recorrer a um hospital de Lisboa com o pé torcido – que imaginei fracturado. Na urgência, além de esperar quatro horas, tive a infelicidade de ser atendido por um médico espanhol, pelo menos falava em castelhano, pelo sotaque, imagino que fosse de Madrid. O senhor limitou-se a olhar para a radiografia (feita com muito pouca qualidade pelos serviços do hospital) e a balbuciar algo que entendi como sendo um «no entiendo», «no miro nada», ao qual coloquei uma questão, para a qual não entendi a resposta.
Perante a situação, com dores, imaginei que o melhor seria esquecer aquela infeliz opção de ir ao hospital e pedir para que me receitasse uma medicação para as dores. O pedido foi aceite, tendo ele prescrito uma pomada anti-inflamatória. Percebi que mais do que aquele atendimento, naquele momento, não seria possível.
O melhor seria encontrar outra solução ou pedir o livro de reclamações, exigindo outro médico e outra radiografia. Todavia, não estava para gastar mais tempo e imaginar-me naquele espaço mais quatro horas!
Naquela altura, considerei o acontecimento um azar. Porque sei que o sistema de saúde não é assim tão mau. Já tive outras experiências positivas e relatos de muitas outras aceitáveis.
No dia seguinte, fui falar com um médico amigo. Mostrei–lhe a radiografia e relatei os sintomas que havia mencionado anteriormente ao médico espanhol. Obviamente, a sua primeira reacção foi à radiografia. Não permitia ver nada! Estava inqualificavelmente malfeita. Portanto, excluindo aquele método de diagnóstico, partiu para um conjunto de questões que o esclareceram sobre a origem dos sintomas. Sem grande dificuldade, substituiu a prescrição por um anti-inflamatório por via oral, uma meia elástica e o máximo de descanso. É óbvio que ao fim de uma semana estava a fazer a vida normal, apenas com uma ligeira impressão!
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