A Comunicação médico-paciente
Desde a criação dos então revolucionários conceitos de emissor, receptor, código, canal e feedback do modelo de comunicação linear e sequencial, introduzidos por Shannon, em 1952, muitos autores enriquecem este esquema com os aspectos psicossociológicos da comunicação.
A «nova comunicação» introduz a noção de interacção e preconiza a comunicação como um processo de influência recíproca entre os actores sociais, com Watzlawick em particular, sendo este acto voluntário ou inconsciente e sempre portador de significações.
A análise do acto comunicacional foi-se complexificando e considera a existência das múltiplas influências, manifestas ou latentes, dos factores psicológicos, cognitivos e sociais. De referir o modelo de Lewin com a acção de forças internas e externas, ou a teoria de Moscovici com a noção de representação social. A comunicação passa a ser o resultado de um processo em que o indivíduo interpreta, descodifica a situação e os comportamentos do outro em função da representação da situação, onde jogam papel essencial a representação de si, a do outro e a do contexto social e cultural.
Na corrente do interaccionismo simbólico, segundo Goffman (1973), «o tipo de interacção que funda a relação social é a interacção sujeito-situação», ou seja, toda a significação que os sujeitos lhe atribuem.
De acordo com Abric (1999), qualquer que seja a teoria de comunicação escolhida, todos os autores coincidem num ponto – «para ser eficaz, a comunicação deve funcionar como um sistema circular». Toda a comunicação deverá analisar-se, organizar-se e realizar-se como uma interacção. Quer se trate da transmissão de ordens, de consignes ou informações, trocas socioafectivas, é o feedback recíproco que garante as funções da comunicação.
Para muitos autores a Identidade é constituída pelo resultado de um processo de construção interactivo, entre o Eu e o Outro, mediado por um sistema circular de relações e actos comunicacionais. É, pois, na relação e na comunicação que o Eu se realiza e se reafirma, de início na matriz familiar, e mais tarde noutros contextos vivenciais, a escola, o trabalho (Meyer, 1987).
Do Modelo CMM
O CMM é uma abordagem de análise e investigação da comunicação, desenvolvida por Vernon Cronen e Barnett Pearce, com raízes na perspectiva qualitativa-sistémica e no construcionismo social.
De acordo com Pearce (1994), o estudo da comunicação interpessoal é a forma de compreendermos os nossos mundos sociais, sendo estes constituídos e constantemente actualizados nas nossas relações, nas situações da nossa vida. As conversações que estabelecemos são um produto e produtor de jogos de interacções de mundos sociais, a toda a hora construídos e reconstruídos.
A comunicação é entendida como um processo reflexivo, sistémico, integrador das actuações coordenadas dos seus actores, a todo o tempo dinamizada pelo passado, presente e futuro dos seus mundos sociais. As nossas acções coordenam-se com as dos outros através da comunicação, de objectivos e regras e são constantemente co-construídas e modificadas pelos seus actores.
O acto comunicacional pode ser analisado pela 1.ª pessoa, a partir de dentro, onde o próprio negoceia permanentemente as suas acções com um outro. Mas também na 3.ª pessoa, onde o observador presencia os padrões interactivos dos interlocutores. É possível identificar padrões//estilos repetitivos na comunicação e interpretar, quer as nossas acções (1.ª pessoa), quer a dos participantes (3.ª pessoa), e compreender o episódio, podendo alterar-se as suas regras se estas não forem adequadas.
Do ponto de vista metodológico, num 1.º nível analisa a força lógica da comunicação (o que a antecede e o que irá passar-se após). Num 2.º nível, a análise deôntica, ou seja, a identificação da coerência contextual, direitos e responsabilidades, compromissos morais de cada um e dos seus efeitos na comunicação. Por fim, o 3.º nível, o episódio comunicacional, onde é possível identificar os padrões de comunicação estabelecidos.
Para que toda esta lógica possa tornar-se mais realista propomos analisar a sequência e relação interdependente entre actos comunicacionais de dois interlocutores numa situação específica.
Escolhemos um episódio ilustrativo de um acto comunicacional frequente entre o médico e o paciente, que discutiremos de acordo com as formulações do CMM e, em simultâneo, aplicamos a Classificação de Porter1.
O diálogo que se segue é uma adaptação de uma consulta de Ortopedia em contexto hospitalar. A paciente, Sr.ª D. Germana (nome fictício), tem 53 anos de idade, é casada, tem uma filha e dois netos em idade pré-escolar. Reformada por invalidez há dois anos, por razões de foro ortopédico, é utente do hospital há três, altura em que o médico lhe deu indicação cirúrgica.
O médico é especialista em Ortopedia, tem 42 anos de idade. De acordo com este, foram prescritos todos os meios passíveis de aliviar a dor e melhorar a mobilidade da doente, como sejam a administração de anti-inflamatórios e fisioterapia.
Esta consulta com o médico ortopedista tem por objectivo inscrever a doente para intervenção cirúrgica e marcar a consulta de Anestesia que a precede.
Com este episódio propomos representar os processos de comunicação interpessoal através de dois esquemas de análise da comunicação formulados pelos autores Cronen e Pearce – o Modelo da Serpentina e o Modelo Atómico.