Estilos de vida e serviços de saúde? - Médicos de Portugal

A carregar...

Estilos de vida e serviços de saúde?

1 Março, 2005 0

Fala-se e escreve-se muito sobre «estilos de vida». Porém, não existe nenhum acordo sobre a definição objectiva sobre o que é um «estilo de vida». Embora possa surpreender, esta indefinição resulta do efeito do conflito entre, por um lado, a interpretação que associa este conceito aos hábitos de consumo e lazer e, por outro lado, a interpretação que associa o conceito à decisão individual de adoptar determinados comportamentos com claras consequências para o seu bem-estar.

Nas interpretações identificadas nos documentos da Organização Mundial de Saúde (OMS), o termo «estilo de vida» assume uma interpretação na linha da segunda, condicionando-a, porém, à relação entre comportamento e risco para a sua saúde individual.

Ora, a verdade é que as pessoas diferem na posição hierárquica em que colocam as preocupações com a saúde individual. Da mesma forma, poderemos dizê-lo relativamente aos grupos sociodemográficos ou às culturas. Em alguns contextos culturais, a doença é atribuída à intervenção de agentes sobrenaturais e representa um sinal de que algo está mal no equilíbrio interior do indivíduo. Não há, portanto, nesta interpretação, referência a entidades patogénicas ou processos biológicos.

Noutras culturas, o fenómeno da doença é associado a fenómenos sobretudo biológicos e tratado em contextos biomédicos. Aqui, a preocupação individual é sempre associada à resposta dos serviços de saúde e da capacidade dos profissionais de saúde em resolver os seus problemas. Portanto, a ideia de autocontrolo e intervenção definida pela responsabilidade do próprio está ausente. Esta interpretação sugere a premissa de que «outros, que não eu, terão a responsabilidade de resolver o problema».

No contexto nacional, importa reconhecer que ambas as perspectivas co-existem de uma forma mais ou menos pacífica. Por outras palavras, há um importante segmento da sociedade portuguesa que continua a associar a interpretação da saúde-doença a fenómenos sobrenaturais, o que potencia, como reconhecemos amiúde, uma série de eventos curiosos no que diz respeito à valorização de «objectos» que nos são apresentados como milagrosos ou com capacidades sobrenaturais, desvalorizando, por consequência, as responsabilidades do seu estilo de vida sob o seu estado de saúde e bem-estar.

Não estamos a falar simplesmente de coisas como «pulseiras milagrosas», envergadas inclusive por políticos com responsabilidade, mas, provavelmente mais grave ainda, de uma transferência destas crenças «pseudomísticas» para produtos das indústrias da saúde. É assim que surgem crenças irracionais no poder milagroso das técnicas, tecnologias e produtos de consumo disponibilizadas no contexto do nosso Serviço Nacional de Saúde que, na sua expressão mais preocupante, geram comportamentos de sobreutilização dos serviços de saúde e esvaziam a verdadeira fonte de saúde que é, naturalmente, a intervenção social para a promoção da saúde preconizada pela OMS.

De facto, foi em 1998 que a Assembleia Mundial da Saúde adoptou uma Declaração reiterando a estratégia «Saúde para Todos no Século XXI» e a necessidade de implementação de novas políticas nacionais e internacionais.

Nesta perspectiva, continua a observar-se o movimento internacional, representado por diferentes actores sociais, que está a iniciar a transformação do paradigma vigente para a saúde, procurando conciliar paradoxos e desigualdades crescentes entre factores de natureza social, económica, política, cultural e ambiental.

Em todos os documentos produzidos pela OMS desde então, é mencionado, constantemente, o desafio de reorientação dos serviços de saúde, tornando-os agentes de mudanças de comportamentos e, estrategicamente, agentes de influência dos comportamentos dos indivíduos. A materialização desta meta só será possível com a crescente consciencialização dos decisores, bem como dos responsáveis pela formação dos profissionais de saúde em instâncias académicas, prestadoras de serviços, políticas, associativas e do sector social, de modo a envolver segmentos distintos da sociedade nesta consciência.

Neste contexto, nós, profissionais do sector da saúde, desempenhamos um papel fundamental, como gestores, administradores hospitalares, educadores e prestadores de cuidados de saúde. Enfim, somos uma peça chave na geração de uma nova cultura da saúde, caracterizada pela humanização e integração dos cuidados ao ser humano, único caminho para o tão sonhado «desenvolvimento» sustentado preconizado pela Declaração de Alma-Ata há mais de um quarto de século.

Nunca é demais relembrar Alma-Ata e, nestes momentos, alertar para o papel da reflexão sobre os estilos de vida e a sua relação com a saúde. A saúde da mulher não é excepção a esta nova abordagem de orientação dos serviços de saúde, como, aliás, a revista M&S® é um exemplo prático de promoção e comunicação em saúde.

Prof. Doutor Paulo Kuteev-Moreira
Doutor em Marketing Social e Comunicação em Saúde
pela University of Manchester

Páginas: 1 2 3

ÁREA RESERVADA

|

Destina-se aos profissionais de saúde

Informações de Saúde

Siga-nos

Copyright 2017 Médicos de Portugal por digital connection. Todos os direitos reservados.