A Direcção Geral das Actividades Económicas (DGAE), tutelada pelo Ministério da Economia, tem-se recusado a atribuir preços a um conjunto de medicamentos genéricos alegando a eventualidade das respectivas patentes ainda não terem caducado.
O jurista Robin de Andrade refere que "não há motivo para não haver atribuição de preço porque nenhum dos critérios para afixação de preço depende da validade das patentes e não há nenhuma disposição legal que exija o esclarecimento prévio da validade da patente, o que se exige é uma AIM (Autorização de Introdução no Mercado). A lei, afirma este jurista, "expressamente consigna que a atribuição de AIM é totalmente independente de questões de propriedade industrial, pelo que isso não pode impedir nem a AIM nem a atribuição de preços". Os medicamentos genéricos a que a DGAE recusa atribuir preço já receberam do INFARMED, que tem essa competência, a respectiva AIM. O próprio INFARMED já solicitou esclarecimentos à Comissão Europeia, que declarou explicitamente que no processo de fixação dos preços não se pode nem deve atender às patentes (doc. em anexo).
Na opinião do professor de Direito Robin de Andrade "é ilegal o argumento da DGAE que alega a eventual violação de patente para não atribuir preço a determinados genéricos impedindo deste modo a sua entrada no mercado". A DGAE evoca o artigo 31 do código de procedimento administrativo, no entanto, para o jurista "este artigo não se destina a ser usado como meio de tutela cautelar de direitos de terceiros, porque o poder de suspensão está previsto na lei apenas para os casos em que a administração se depara com verdadeiras questões prejudiciais e porque tal função cabe exclusivamente aos tribunais".
Robin de Andrade considera que com esta posição "a DGAE incorreu em usurpação de poder".
O jurista Fausto de Quadros lembra que "nunca até hoje foi permitido pelo Direito Português a suspensão de uma atribuição de preço de um medicamento genérico com fundamento na não caducidade de qualquer patente". Fausto de Quadros diz que "para o direito comunitário, no procedimento administrativo de AIM, só se atende a "critérios científicos objectivos", que assegurem ao medicamento genérico "qualidade, segurança e eficácia". Matérias de índole económica, como as patentes não se discutem nem relevam nesse procedimento administrativo". Na opinião deste jurista, a DGAE está a violar a directiva nº 2001/83/CE, que regula estes casos.
O professor de Direito Fausto de Quadros lembra ainda que o Estado Português pode vir a ser penalizado pela atitude da DGAE porque "as providências cautelares são de Direito Comunitário e têm o seu fundamento no direito comunitário e a sua recusa, se estiverem verificados os seus pressupostos, consiste em incumprimento do direito Comunitário e gera responsabilidade do respectivo Estado".
A Comissão Europeia tem defendido um aumento da prescrição e consumo dos medicamentos genéricos nas políticas de Saúde dos diversos estados-membros, como forma de facilitar o acesso dos doentes ao tratamento e reduzir as despesas dos estados com medicamentos.
Em Portugal, as farmacêuticas de medicamentos de referência têm vindo a recorrer aos tribunais para tentar impedir a entrada de medicamentos genéricos no mercado, sobretudo para os medicamentos mais vendidos, um estratagema também já denunciado por Bruxelas que fez de Portugal um case study no seu último relatório sobre a indústria farmacêutica.
Depois de perderem vários casos no Tribunal do Comércio, estas farmacêuticas viraram-se agora para o Tribunal Administrativo, intentando providências cautelares, numa tentativa de impedir a comercialização de alguns genéricos. O jurista Fausto de Quadros considera que também aqui há ilegalidades já que "as patentes devem ser julgadas no tribunal do comércio e nunca no procedimento administrativo da AIM ou da fixação dos preços dos medicamentos genéricos". Isto porque a AIM ou a fixação de preços não têm de estar sujeitas à validade das patentes e é por isso que o Tribunal Administrativo, que julga procedimentos administrativos, não tem competência para julgar casos de patentes.